60 anos de CEBIMar

 

Laboratório antigo do CEBIMar/USP

Embora a USP tenha iniciado a produção de conhecimento com suas raízes fortemente fincadas no ambiente terrestre, já logo no início de sua existência vários de seus professores reclamavam um laboratório à beira mar que oferecesse possibilidades de pesquisas em ambientes e organismos marinhos. Foi com esse intuito que, em 1934, o Professor Ernest Bresslau, fundador do Departamento de Zoologia da USP, insistiu para que o Governo do Estado de São Paulo adquirisse a Ilha das Palmas, em Santos, para que ali construíssem um laboratório para estudos de organismos marinhos. O Professor Bresslau não pôde concluir sua iniciativa pois faleceu precocemente, sendo interinamente substituído pelo Professor Paulo Sawaya, até que o Professor Ernst Marcus assumisse a cátedra de Zoologia da nova Universidade, em 1935. Mas foi exatamente pelas mãos do Prof. Sawaya que a demanda do laboratório marinho foi atendida e integrada à USP, duas décadas depois.

No início das pesquisas em Zoologia no Brasil, o conhecimento sobre a biota continental paulista e brasileira era muito incipiente, mas ainda assim se sobressaía àquele sobre a biota marinha. Isso não evitou que muitos trabalhos sobre biologia marinha ocorressem no litoral paulista, mesmo que executados a muito custo e de maneira improvisada. Inúmeras empreitadas foram conduzidas na Ilha das Palmas, Itanhaém, Peruíbe, Bertioga, São Sebastião e Ilhabela para se estudar os organismos marinhos, que demandavam o transporte de todo o equipamento indispensável, como lupas, microscópios, redes, etc. nas estradas com pouca infraestrutura da época. Pesquisadores e alunos alojavam-se em hotéis locais ou até mesmo em acampamentos improvisados. Nessa atmosfera, que legitima e honra o mote de vencer pela ciência, é que se produziu alguns trabalhos importantes, inclusive com a colaboração de pesquisadores estrangeiros, realizados numa pequena sala emprestada pelo Centro de Saúde de São Sebastião.

As inúmeras dificuldades e adversidades enfrentadas fez com que alguns professores da USP adquirissem, com recursos próprios, um terreno localizado cerca de seis quilômetros ao sul do centro da Cidade de São Sebastião, com objetivo de erigir ali um instituto onde pudessem realizar pesquisas e cursos com o ambiente marinho. Assim se criou a Fundação Instituto de Biologia Marinha (IBM), cujos os estatutos foram aprovados pelo Conselho Universitário da USP em 14 de fevereiro de 1955. Os membros fundadores do IBM foram os professores Paulo Sawaya, Erasmo Garcia Mendes, Domingos Valente, George A. Edwards, João Paiva Carvalho, além do então Reitor José de Mello Moraes e do Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Eurípedes Simões de Paula. A implantação das primeiras instalações, laboratório e residência, teve amparo financeiro da USP, Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), Fundação Rockefeller e Governo do Estado de São Paulo. O Professor Paulo Sawaya foi o primeiro Diretor do IBM, entre 1955 e 1973 (Migotto et al., 2002).

Para melhor cumprir suas finalidades, entretanto, foi proposta a transferência do IBM para a Universidade de São Paulo, o que acabou ocorrendo em 17 de dezembro de 1962 pelo Decreto 41-222. Em 24 de setembro de 1980 o então IBMar foi transformado em Centro Interunidades e denominado Centro de Biologia Marinha (CEBIMar), devido a alterações no Estatuto (Decreto 52.326; 16/dez/1969) e Regimento Geral da Universidade de São Paulo (Decreto 52.906; 27/mar/1972). Uma nova modificação no Regimento Geral da USP, aprovado em 19 de outubro de 1990, passou a considerar o CEBIMar como um dos seus Órgãos de Integração, ou Instituto Especializado, juntamente com o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE), Instituto de Estudos Avançados (IEA) e Instituto de Estudos Brasileiros (IEB). Uma das missões do CEBIMar, desde sua concepção, é a produção de conhecimento científico que oriente ações para conservação da biodiversidade e dos ecossistemas marinhos. A unidade tem prestado um trabalho relevante nesse quesito, tendo executado estudos pioneiros de extrema qualidade.

Em consonância à sua missão, o CEBIMar promove cursos de extensão sobre biologia marinha desde a época de sua fundação, atraindo um público variado, oriundo de todo o Brasil e do exterior. Em relação aos primeiros tempos (décadas de 1950 e 1960), em que cursos e disciplinas similares eram inexistentes no país, não é exagerado afirmar que, nas salas de aulas do CEBIMar, inúmeros biólogos brasileiros tiveram a primeira, e muitas vezes única, chance de iniciar sua formação em Biologia Marinha, muitos dos quais posteriormente destacaram-se em sua área de atuação.

Na integração entre desenvolvimento do conhecimento científico e sua aplicação sustentável para a sociedade, destacam-se os trabalhos desenvolvidos no então denominado Laboratório de Biologia Marinha que possibilitaram o desenvolvimento do cultivo de mexilhões no Brasil. Esses trabalhos foram realizados por pesquisadores do Departamento de Fisiologia Geral e Animal da antiga Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP. A primeira instalação para manutenção experimental de mexilhões no Brasil data de dezembro de 1963, e estava localizada na Praia do Cabelo Gordo, nas cercanias do CEBIMar (Magalhães, 1998), tendo como um dos seus executores o Professor João Edmundo Lunetta, um pesquisador que viria a ser Diretor da Unidade entre 1973 e 1982. Porém, a exploração em escala comercial de cultivos de mexilhão dependia ainda de alguns trabalhos básicos sobre a sua biologia, que caracterizaram aspectos reprodutivos (Lunetta, 1969; Umiji, 1969)  bem como potenciais parasitoses (Lunetta & Umiji, 1975; Umiji et al., 1976). Os estudos práticos e aplicados serviram como modelo para a implantação de cultivos em outras localidades do Brasil, uma indústria que se desenvolveu a partir da década de 1980, principalmente no litoral entre Santa Catarina e Rio de Janeiro. Recentemente, o cultivo de mexilhão no Brasil gerou cerca de 16.000 toneladas, o que supera em quatro vezes aquelas advindas do extrativismo (Ministério da Pesca e Aquicultura, 2011).

A infraestrutura disponível e a localização geográfica privilegiada do CEBIMar, aliada a escassez de estações de pesquisa em ciências marinhas no Brasil, atrai constantemente um grande número de visitantes, tanto para realização de pesquisa quanto para ministrar cursos e disciplinas. Dentre visitantes estrangeiros, pode-se citar nomes importantes, como William Homan Thorpe F.R.S. (etólogo da University of Cambridge, Inglaterra), Jean-Marie Pérès (zoólogo e oceanógrafo da Station Marine d'Endoume, França), Knut Schmidt-Nielsen (fisiólogo da Duke University, EUA), Pierre-Paul Grassé (zoólogo da Université de Paris, França), Carl Frederick Abel Pantin F.R.S. (zoólogo da University of Cambridge, Inglaterra), dentre muitos outros. Igualmente, pesquisadores de instituições brasileiras realizaram parte de suas pesquisas no CEBIMar, vários inclusive que serviram como Diretor da Unidade, tais como Paulo Sawaya (fisiólogo, Diretor entre 1955 e 1973), Erasmo Garcia Mendes (fisiólogo, Diretor entre 1982 e 1985) e Eurico Cabral de Oliveira Filho (botânico, Diretor entre 1985 e 1989), entre outros.

A continuidade das pesquisas e ensino no CEBIMar focados na área marinha traduziu-se, naturalmente, em um excelente conhecimento acumulado para a região do canal de São Sebastião, que se estendeu a todo o Estado de São Paulo, projetando a unidade a uma posição de destaque em estudos sobre a biodiversidade marinha. Como consequência desse processo, destacamos a atuação decisiva de docentes ligados ao CEBIMar na estruturação e planejamento de ações para estudos da biota marinha brasileira. Vários exemplos poderiam ser citados sobre como o conhecimento acadêmico e científico ligados ao CEBIMar viraram instrumentos de política nacional de desenvolvimento científico e de conservação. Dentre estes, destacamos a coordenação da síntese do conhecimento sobre a biodiversidade marinha do Estado de São Paulo (Migotto & Tiago, 1999), publicado na série que serviu de base à construção do Programa Biota FAPESP. A avaliação do estado do conhecimento sobre a biodiversidade marinha nacional (Migotto & Marques, 2006), conjuntamente com uma síntese da taxonomia zoológica brasileira (Marques & Lamas, 2006), acarretaram em políticas de fomento à pesquisa desenhadas sobre demandas, competências e deficiências identificadas em relação ao ambiente marinho.

Por último, devemos ressaltar o engajamento atual do CEBIMar nas questões ambientais marinhas. O litoral norte paulista e o Canal de São Sebastião constituem parte dos poucos locais da costa brasileira em que existem observações sobre a biologia marinha em escalas de tempo mais amplas. Isso ocorre porque a importância de institutos marinhos especializados transcende o detalhamento da biologia ou comportamento de grupos de organismos, já que mediam estudos de longa duração e, portanto, proveem informações robustas para o entendimento das mudanças ambientais ao longo do tempo, seja por processos naturais ou antropogênicos. Em 2012, o CEBIMar tornou-se a instituição sede do Projeto Temático FAPESP “Biodiversidade e funcionamento de um ecossistema costeiro subtropical: subsídios para gestão integrada”, ou “Projeto Araçá”, coordenado pela Professora A. Cecília Z. Amaral (UNICAMP), e com uma equipe de mais de 170 pesquisadores. Esse projeto integra o estudo de processos físico-químicos como a circulação de massas de água e o transporte de nutrientes e sedimentos, a processos biológicos que incluem interações tróficas entre os organismos, com aspectos socioeconômicos como a quantificação da produção e da dinâmica pesqueira. Todavia, o pioneirismo do Projeto Araçá está na sua concepção, que permitirá caracterizar de maneira quantitativa serviços ambientais prestados por um ambiente modelo. Um dos objetivos do projeto é a elaboração de propostas de ação que permitam um desenho para a sustentabilidade da região, sob uma ótica integrada, permitindo um diálogo entre a comunidade científica e os tomadores de decisão. Para tanto, o projeto abriga módulos de estudo específicos em escala de complexidade crescente, que culminam em três grandes grupos: Modelagem Ecológica, Identificação e Valoração dos Serviços Ecossistêmicos e Gestão Integrada.

Sua atuação protagonista no cenário de estudos sobre o ambiente marinho brasileiro aumenta a responsabilidade do CEBIMar em produzir conhecimento de qualidade e inovador. Para isso, foi criado o Núcleo de Pesquisa em Biodiversidade Marinha (NP-BioMar), sediado no CEBIMar, que tem por objetivo promover o conhecimento e ações para a conservação e uso sustentável da biodiversidade marinha. Conjuntamente, o projeto da Unidade é contribuir ativamente na formação de estudantes em biologia marinha, por meio de disciplinas e programas de graduação e pós-graduação de qualidade internacional. Com 60 anos, o CEBIMar se renova a cada dia.

Autores do texto: Alvaro Esteves Migotto (Diretor do CEBIMar 2005-2009), Áurea Maria Ciotti (atual Diretora de Pesquisa do CEBIMar) & Antonio Carlos Marques (atual Diretor do CEBIMar)

Literatura citada

Lunetta, J.E. 1969. Fisiologia da reprodução de mexilhões (Mytilus perna L. Mollusca Lamellibranchia). Bol. Zool. Biol. Mar. São Paulo, n. ser., 26: 33-111.

Lunetta, J.E. & Umiji , S. 1975. Infestação de mexilhões por trematóides digenéticos da família Bucephalidae, de gênero Bucephalus no litoral do Estado de são Paulo. In: Reunião Anual da SBPC, 28. Resumos, p. 378.

Lunetta, J.E. & Umiji, S. 1978. Ocorrência de parasitas no mexilhão Perna perna. In: Simpósio Latinoamericano sobre Oceanografia Biológica, 5. Resumos, p. 86-87.

Magalhães, A.R.M. 1998. Efeito da parasitose por trematoda Bucephalidae na reprodução, composição bioquímica e índice de condição de mexilhões Perna perna (L). São Paulo. 185 p. Tese (Doutorado) – Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.

Marques, A.C. & Lamas, C.J.E. 2006. Taxonomia zoológica no Brasil: estado da arte, expectativas e sugestões de ações futuras. Papéis Avulsos de Zoologia, 46(13): 139-172.

Migotto, A.E.; Rodrigues, S.A. & Castilho, V. 2002. CEBIMar: 40 anos de USP. Uma memória iconográfica. Centro de Biologia Marinha, Universidade de São Paulo. 84 p.

Migotto, A.E. & Tiago, C.G. 1999. Biodiversidade do Estado de São Paulo. Síntese do Conhecimento ao Final do Século XX. Volume 3 - Invertebrados Marinhos. 1. ed. São Paulo: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. 310 p.

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